Imagem: Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Já chega a 155 (até 18 de maio de 2024) o número de vítimas fatais nas enchentes e inundações, causadas pelos intensos temporais que assolam o Rio Grande do Sul (RS), além de cerca de 104 pessoas desaparecidas e mais de 540 mil desabrigadas. A situação já é considerada a maior tragédia climática da história do estado gaúcho. Embora se trate de um evento climático que, em tese, seria ditado pela natureza, a realidade é que a interferência humana na teia de sustentação da vida, desde a Revolução Industrial, é o que tem provocado tais eventos extremos. E, no caso do Rio Grande do Sul, inclusive, se tratou de uma tragédia anunciada.
“A culpa da enchente é do planeta, mas a culpa da tragédia é dos/as administradores/as do estado e das cidades”, é o que diz Roberto Reis, professor do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Evolução de Biodiversidade da Escola de Ciências da Saúde e da Vida, na PUC-RS. Em entrevista ao jornal Agência Brasil, Reis afirma que o desastre ocorrido se deu por culpa da má administração dos municípios, que não estudaram o local de forma adequada antes de construírem as edificações, desconsiderando alertas de áreas de risco de alagamentos e sem fazer as devidas manutenções em diques de contenção e em barreiras anti-alagamentos.
Felipe Nóbrega, coordenador do Programa de Educação Ambiental EcoÂmbar, no Instituto Ecoar, explica a influência do fenômeno El Niño na potencialização desses intensos eventos climáticos. “O estado do RS está exatamente localizado em uma zona de convergência climática, principalmente aqui ao sul, na Bacia do Prata, em que a gente tem, de maneira simples, o encontro de uma massa quente, vinda do Pacífico, e uma massa de ar frio, que vem bem ao Sul do RS e do continente. O que está acontecendo é uma grande pressão hidrológica, consequência de um excesso de chuvas associado aos efeitos básicos e mais conhecidos do El Niño, que envolvem chuvas e ventos e a constituição de eventos extremos”.
Felipe aponta que esses eventos já são conhecidos e esperados na região, uma vez que já ocorreram em anos anteriores – embora não na mesma proporção atual – e que, por isso, a situação não deve ser tratada como uma novidade. “Primeiro, todos/as nós já conhecemos o El Niño, a gente já conhece como é a sua incidência e quando ele vai acontecer. A gente pode ter debate sobre se ele vai ser moderado, se ele vai ser forte, como é a classificação, ou se ele vai ser muito forte, isso são discussões que a gente pode ter em aberto. Mas, fato é que nós sabemos, conseguimos prever quando ele vai acontecer e, minimamente, a sua escala de impacto. A nossa escala de impacto em 2023 e 2024 é muito forte, dentro das classificações. A gente já vem do ano passado de uma pressão, causada pelo El Niño, de chuvas que acabaram em uma série de tragédias locais e agora a gente tem algo inédito, em termos de volume, de subida de água da Lagoa dos Patos. Isso é a grande novidade ruim que nós temos que lidar, mas que, como eu disse, não é uma novidade”.
Sendo esses eventos uma situação já prevista, o historiador e educador ambiental levanta a importância da atuação do Governo Federal para a tomada de medidas preventivas e urgentes. “[...] o que está em jogo agora, dentro da gestão, é que políticas públicas climáticas vão ser feitas a partir de agora? Se antes ainda havia a desculpa do desconhecimento por uma série de imprudências, agora a gente já tem situações tais que nos fazem pensar também no dia seguinte”. Ele também ressalta o trabalho dos/as Educadores/as Ambientais nessa luta: “A gente precisa, de forma conjunta, estabelecer um plano de ação que vá pressionar governos, que pressione entidades públicas, para a criação de políticas climáticas efetivas, de ordem estrutural, objetiva, que envolvem a prevenção, que envolvem a criação de estruturas, que envolve o aporte de dinheiro pesado em medidas mitigatórias e também nas subjetivas”.
Doutor em Educação Ambiental e historiador especializado em Mudanças Climáticas, Felipe afirma que esses eventos não somente continuarão a ocorrer no decorrer dos anos, como também se acentuarão. “O El Niño não vai deixar de existir, ele vai se acentuar mais a cada vez nessa nossa região de zona de convergência climática (na região do Rio Grande do Sul). Essa notícia a gente precisa dar: ele vai ser mais forte. A gente pode, mais uma vez, ter divergências em sazonalidade, ele não necessariamente aumenta sua quantidade de incidência, mas ele aumenta a sua potência a cada incidência”.
As fortes chuvas tiveram início no final do mês de abril e, até o momento, atingiram 461 municípios, cerca de 90% do estado, segundo dados da Defesa Civil Estadual do RS. De acordo com o Climatempo, ainda há previsão de chuvas na região, com a passagem da frente fria que tem derrubado as temperaturas, o que mantém o alerta e dificulta os trabalhos de resgate, já que as águas se mantêm em alto nível de volume e profundidade.
Uma questão importante que se destaca sobre o assunto é a intensa necessidade do Estado em receber apoio das pessoas de outras regiões. Busque ajudar de alguma maneira, doando roupas, cobertores, colchões, agasalhos e outros materiais. Há uma série de empresas privadas e públicas que estão realizando carregamentos gratuitos de diversos itens para a região, como os Correios. Informe-se sobre as iniciativas seguras do seu local e participe da rede de proteção à vida.
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