Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e integrante do Conselho do Instituto Ecoar - texto reproduzido do Jornal da USP.
Tanto a União Europeia como o EUMCA (mercado comum do Canadá, USA e México, antigo NAFTA) atuam de forma totalmente integrada entre si e vão muito além de agir apenas nos temas ligados ao comercio exterior. O presidente Joe Biden definiu em conjunto com Canadá e México quais as regiões mais apropriadas para empresas norte-americanas se instalarem nesses seus vizinhos e vice-versa.
Chamamos isso de nearshoring, que consiste em se procurar locais próximos de um país – mas não no próprio país – para a instalação de empresas. Isso tem ocorrido por razões geopolíticas principalmente ligados à rivalidade Estados Unidos e China. A União Europeia, sediada em Bruxelas, faz o mesmo dentro do território europeu e tem definido em quais países, setores e respectivas empresas deveriam ser mais incentivados pelo próprio bloco.
A América do Sul deveria fazer o mesmo, levando em conta principalmente o potencial enorme que a região tem para ser bem-sucedida se souber ser organizada e coesa nos próximos anos.
A América do Sul tem um grande potencial para se transformar num dos principais agentes mundiais da descarbonização, da produção de alimentos e de medicamentos no mundo. A matriz elétrica da região é das mais limpas, seguras e baratas. Alguns países, como Paraguai e Uruguai, tem matrizes elétricas 100 % verdes, e no Brasil pelo menos 75 % da energia elétrica gerada vem de fontes naturais: água, sol e ventos. E a Floresta Amazônica está presente em nove dos 13 países da região. Isto significa poder contar com a riquíssima biodiversidade e os mais importantes biomas que hoje se constituem na matéria prima fundamental para a indústria farmacêutica, de fertilizantes e para a própria agricultura.
Os países desenvolvidos, principalmente a Europa, começam a tomar medidas e regulamentar a circulação de produtos verdes e não poluentes em seu território. Nesse sentido, para vender para os países europeus, em breve será exigido que alguns produtos não tenham sido fabricados com emissão de CO2. É o caso do aço, do cimento, dos fertilizantes, de vários produtos químicos, da cerâmica, dos vidros e de vários outros produtos que, na América do Sul, poderão ser fabricados atendendo a essas novas exigências.
Ou seja, a América do Sul se depara agora com a possibilidade inédita de deixar de ser um mero supridor de matérias primas para o mundo e passar a ser um efetivo produtor de produtos finais com alto conteúdo tecnológico.
Dessa forma, nosso continente pode abrir uma janela enorme de oportunidades tanto na área da economia do baixo carbono como na área do uso da biodiversidade. No entanto tudo isso precisa ser feito de forma coordenada e integrada entre os países da região. Essa parceria passa por adotar uma política industrial integrada que permita que a região ao menos consiga agregar valor às suas commodities (destacando se o lítio), que serão ainda mais importantes nestes próximos anos como decorrência das preocupações com o aquecimento do planeta.
Uma análise detalhada precisa ser feita, produto a produto, em relação aos minerais mais importantes para o futuro e o sucesso da descarbonização. O lítio é um caso interessante, porque, afinal, apenas três países – Bolívia, Argentina e Chile – têm mais da metade das reservas deste metal do mundo. Não seria o caso desses três países, de forma integrada, pensarem em como seria possível agregar valor ao lítio ou então de que forma poderiam passar a fabricar as próprias baterias? O Brasil também tem reservas significativas de lítio e capacidade para fabricar as baterias.
Finalmente, uma razão fundamental para América do Sul atrair os grandes fabricantes: a região não está envolvida em guerras, nem bélicas nem comerciais, e quase todos os países têm boas relações comerciais com toda Ásia, Europa e Estados Unidos. As empresas desses países e regiões, quando operam na América do Sul, não estão submetidas às proibições, intervenções, protecionismo ou controles que hoje abundam dentro dos países mais desenvolvidos. Existe lugar melhor para o nearshore?
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