“Não dá pra cuidar do meio ambiente sem cuidar das pessoas. E não dá para cuidar das pessoas sem garantir o direito humano de acesso à inclusão econômica social produtiva”, foi o que nos disse o empresário e produtor sociocultural Sergio Miletto, coordenador do projeto que, no próximo dia 20/10, fará o lançamento de sua primeira coleção! Trata-se do rico trabalho de mulheres Aymara, da Bolívia - uma nação Inca que habita diversos países da America Latina - e que estão, por meio do Coletivo Sartasiñani, emprestando a sua história ancestral e a sua força de trabalho para a criação de uma marca de roupas de altíssima qualidade e que colabora com a economia criativa e circular.
O lançamento acontece no próximo dia 20/10, no B HUB da FAAP, no bairro Higienópolis, em São Paulo-SP, as 18 horas. Para conhecer a marca e compartilhar da noite de lançamento, é necessário inscrever-se via formulário em razão da limitação do número de pessoas. A entrada é gratuita!
Surgimento do Coletivo Sartasiñani
Tudo começa quando mulheres imigrantes bolivianas encontram-se no Centro de Apoio ao Imigrante (CAMI), em São Paulo, para iniciar um coletivo de costureiras e sair das condições de trabalho precárias, insalubres e perversas a que eram expostas. Elas, que já tinham superado a exploração de empresários e mercados populares, ainda não tinham conquistado remuneração digna atuando isoladamente em suas casas, no bairro Alto da Casa Verde. E o encontro de mulheres fortes e determinadas, junto ao apoio de entidades, promoveu a criação do coletivo, uma trajetória de aprendizados e, agora, uma nova marca de roupas marcando a inserção dessas artistas no mercado da moda sustentável.
Quem nos contou a história foi o coordenador e produtor executivo do projeto, Sergio Miletto, da Alampyme Brasil, um dos/as convidados/as a participar da plataforma Colabora Moda Sustentável: "Dentro desse laboratório, que reúne mais de 70 entidades da cadeia de valor da moda, se mapeou os indicadores da moda sustentável no Brasil para buscar caminhos e soluções para levar esses indicadores para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável-ODS, da ONU. Nesse contexto, vários desafios foram identificados, entre eles, estava a questão do trabalho digno, da remuneração digna. E nós fomos convidados/as para liderar uma proposta de trabalho colaborativo que pudesse remunerar melhor essas costureiras".
Ele explica que, em 2017, foram realizadas uma série de escutas com essas mulheres, para que pudesse ser desenhado um plano de negócios. Conquistaram o patrocínio do Instituto C&A e chamaram o Instituto Ecoar para trazer a dimensão da economia circular para o trabalho: "Miriam, do Instituto Ecoar, e eu nos conhecemos em 1994 e trabalhamos por organizações que já atuam há muitos anos com os mesmos propósitos. O viés do Instituto Ecoar na questão ambiental tem tudo a ver com a questão econômica social, quer dizer... Não existe cuidar do meio ambiente sem cuidar das pessoas. E não existe cuidar das pessoas sem garantir o direito humano de acesso a inclusão econômica social produtiva".
Miletto explica que estão no caminho para alcançar as metas que contornam uma economia circular. Nesse intuito, em 2018, além da elaboração do plano de negócios, contrataram profissionais e avaliaram o skill técnico profissional das costureiras, sempre levando em conta a escuta atenta dessas mulheres e ações que tivessem metodologias freireanas, como a dinâmica "Oficina de Futuro" realizada com o Ecoar para abrir um diálogo cada vez mais efetivo com as trabalhadoras - a atividade consiste em um diagnóstico e um planejamento participativo que contribui para o mapeamento dos sonhos e dos problemas das comunidades.
Em 2019, com o plano de trabalho pronto, era necessário elaborar um primeiro mostruário e começar a busca por clientes. As avaliações do ano anterior mostraram que era necessário maior capacitação técnica e foi ai que entrou também o apoio do SENAI. "Essas formações foram momentos muito importantes porque elas eram de 160 horas e essas mulheres precisavam ganhar dinheiro. Como elas iam trabalhar e participar dos encontros?". Miletto relembra, então, o programa Tramando Junt@s - realizado junto ao Ecoar para garantir bolsas que permitissem as trabalhadoras passar um período estudando. "Se não fosse isso, seria impossível, não dá certo! Não tem como fazê-las pararem de trabalhar e não ter uma remuneração que substitua essa venda não realizada".
Dessa maneira, enquanto as bolsas eram cedidas pelo Instituto C&A, o SENAI garantiu a formação. E, de acordo com Miletto, todo trabalho de capacitação foi realizado em cima de um pedido para um cliente em potencial. Assim, o plano previa produzir moda para atender ao varejo e marcas menores. Além de não deixar para trás, também, a ideia de criar uma marca própria! "Nós, da Alampyme Brasil, temos como missão transformar saberes e fazeres em ativo econômico, até por meio da economia criativa. Então, qual era a ideia por trás disso? Para elas agregarem valor e serem melhor remuneradas, elas precisariam ter uma marca desejada, com produtos de qualidade, que as pessoas comprariam não por caridade, mas porque são bons produtos".
Entretanto, em 2020, pandemia! E, nesse ponto, o Instituto E promove uma ponte entre o projeto e um banco chinês, responsável pela doação de máscaras e aventais para hospitais. Esse instituto, envolvido com grandes marcas como a reconhecida Osklen, ajudou a superar a crise e a acumular capital a partir de tais encomendas. Em 2021, conseguiram ganhar um primeiro edital baseado em uma lei de 2015, aprovada pelo então prefeito Haddad, que promovia compras públicas de micro e pequenas empresas. "Essa foi uma outra experiência importante porque, enquanto os produtos eram importados, de péssima qualidade, a produção interna deveria passar por uma série de exigências. E, como em todo edital, você precisa passar por uma avaliação de seus produtos, elas trabalharam muito para atender a todos os termos e, para a nossa agradável surpresa, ao final, foram certificadas como a melhor apresentação de peças feita entre todos/as os/as fornecedores/as da cidade de São Paulo. A comissão de avaliação incluiu essa certificação no próprio relatório!".
"Nesse momento", continua Miletto, "elas deixaram de ser uma facção para serem uma confecção atendendo cliente final com a produção de uniformes leves para a prefeitura de São Paulo". Assim, elas não mais recebiam as roupas cortadas para serem costuradas, mas precisavam produzir os moldes, comprar tecidos, incluir bolsos e... atender aos clientes em um stand, abrindo a chegada da Escola de Samba Peruche na história do Coletivo, que cedeu a elas um espaço. E esse, que foi um grande aprendizado, é um mercado que continua sendo atendido pelas costureiras durante este ano de 2022.
Já o sonho da criação de uma marca própria se concretizou com uma ideia da designer de moda e educadora, Julia Vidal, da escola afroindigena Ewa Poranga. "Eu perguntei se ela criaria uma peça para que elas pudessem produzir e a gente experimentar elas terem uma coleção. E a Julia teve uma ideia fantástica de, junto aos seus/suas alunos/as na escola, criar um sistema com mais de dez profissionais já consagrados/as pelo mercado da moda para idealizar e criar uma estampa, modelos, croquis e, por fim, a marca Sartasiñani".
E é essa que será lançada no dia 20 de outubro. Trata-se de uma celebração entre as costureiras e as entidades que apoiaram o projeto durante toda a trajetória. "Queremos convidar também a imprensa para conhecer e a ajudar também na divulgação", conta Miletto, "porque agora, com o produto lançado, nós temos que fazer aquela outra parte que é conquistar o coração das pessoas que queiram comprar esses produtos porque, além de ter qualidade - são feitos com os mesmos tecidos que a Osklen utiliza - é uma marca que tem um propósito e traz a história de ancestralidade, de muita força e muita garra. Sartasiñani, em Aymara, significa Levante! É verdadeiro um levante dessas mulheres pela sua dignidade, pela dignidade humana.
O símbolo representa a silhueta das cholas ou "cholitas", palavra que deriva do quechua e aymara, idiomas dos povos originários andinos e significa a denominação étnica referida a mulheres mestiças. O termo aplica-se de maneira
contemporânea àquelas que utilizam vestimentas tradicionais estabelecidas durante o processo inicial de mestiçagem.
A saia e as tranças de uma Cholita são símbolos para o "Bien vivir", que significa uma filosofia em construção e universal, que parte da cosmologia e do modo de vida ameríndio e envolve reconhecer que somos 'parte' dela. A logo do Coletivo Sartasiñani é a combinação destes elementos e firma a união destas mulheres que vêm da Bolívia e que, por meio da moda, unindo seus saberes ancestrais, propõem uma moda mais justa, ética e regenerativa em um movimento de tramar juntas como em um levante feminino para a mudança.
E a história não acaba por aqui!
Semana que vem, continuamos a nossa conversa com Sergio Miletto e vamos apresentar também algumas peças da marca Sartasiñani! Aproveite para já se inscrever no formulário do evento e conhecer a obra dessas mulheres presencialmente no grande lançamento da marca, no dia 20 de outubro, na FAAP, em São Paulo!
Serviço:
Quando: 20/10, 18h
Onde: B HUB da FAAP - Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo-SP
* Imagens e texto sobre a logomarca foram reproduzidos pelo lookbook do coletivo.
Rachel Hidalgo
Jornalista, produtora audiovisual e educadora ambiental, colaboradora do Instituto Ecoar.
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